domingo, 28 de junho de 2020

Antoine de Saint-Exupéry: E foi então que apareceu a raposa...

E foi então que apareceu a raposa...

_Bom dia, respondeu educadamente o pequeno príncipe, que, olhando a sua volta, nada viu.
_Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...
_Quem és tu? perguntou o principezinho.  Tu es bem bonita...
_Sou uma raposa, disse a raposa.
_Vem brincar comigo, propôs ele. Estou tão triste...
_Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.
_Ah! desculpa, disse o principezinho. Mas após refletir, acrescentou:
_O que quer dizer "cativar"?
_Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
_Procuro homens, disse o pequeno príncipe. Que quer dizer "cativar"?
_Os homens, disse a raposa, têm fuzis e caçam. 
É assustador! Criam galinhas também, é a única coisa que fazem de interessante. Tu procuras galinhas?
_Não, disse o príncipe, eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?
É algo quase sempre esquecido disse a raposa. Significa "criar laços"...
Criar laços?
_Exatamente, disse a raposa. Tu não és nada para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos e não tenho necessidade de ti e tu também não tem necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. Eu serei para ti única no mundo...
_Começo a compreender, disse o pequeno príncipe. Existe uma flôr... eu creio que ela me cativou...
_É possível, disse a raposa. Vê-se tanta coisa na Terra...
_Oh! não foi na Terra, disse o principezinho.
A raposa pareceu intrigada:
_Num outro planeta?
_Sim.
_Há caçadores nesse outro planeta?
_Não.
_Que bom! E galinhas?
_Também não
Nada é perfeito, suspirou a raposa.
Mas a raposa retornou a seu raciocínio.
Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens também. E isso me incomoda um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. Os teus me chamarão para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim não vale nada. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos dourados. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará com que eu me lembre de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...
A raposa calou-se e observou por muito tempo o príncipe:
_Por favor... cativa-me! disse ela.
_Eu até gostaria, disse o principezinho, mas não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.
_A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. 
Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo já pronto nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
_O que é preciso fazer? perguntou o pequeno príncipe.
_É preciso ser paciente respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. E te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás um pouco mais perto...
No dia seguinte o príncipe voltou.
_Teria sido melhor se voltasses à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz! Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar meu coração... É preciso que haja um ritual.
_Que é um "ritual"? perguntou o principezinho.
_É uma coisa muito esquecida também disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, adoram um ritual. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta-feira é então o dia maravilhoso! Vou passear até à vinha. Se os caçadores dançassem em qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu nunca teria férias!
Assim o pequeno príncipe cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:
_Ah! Eu vou chorar.
_A culpa é tua disse o principezinho. Eu não queria te fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...
_Quis, disse a raposa.
_Mas tu vais chorar! disse ele.
_Vou, disse a raposa.
_Então não terás ganho nada!
_Terei, sim, disse a raposa por causa da cor do trigo.
_Depois ela acrescentou:
_Vai rever as rosas. Assim, compreenderá que a tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te presentearei com um segredo.
O pequeno príncipe foi rever as rosas:
_Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativaste ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu a tornei minha amiga. Agora ela é única no mundo.
E as rosas ficaram desapontadas.
_Sóis belas, mas vazias, continuou ele. Não se pode morrer por vós. Um passante qualquer sem dúvida pensaria que a minha rosa se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mas importante que todas vós, pois foi ela quem eu reguei... Já que ela é a minha rosa.
E voltou, então, à raposa:
_Adeus... disse ele.
_Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.
_O essencial é invisível aos olhos repetiu o principezinho, para não esquecer.
_Foi o tempo que perdeste com tua rosa que a fez tão importante.
Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... repetiu ele, para não esquecer.
Os homens esqueceram essa verdade disse ainda a raposa. Mas tu não a deves esquecer.
_Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela tua rosa...
_Eu sou responsável pela minha rosa... repetiu o principezinho, para não esquecer.

Antoine de Saint Exupéry